Falar da Rareware é sempre complicado. Ao mesmo tempo em que nos remetemos aos nostálgicos anos dourados da desenvolvedora, vem sempre aquela tristeza pela decadência na qual a empresa hoje se encontra. Mãe de inúmeras franquias e pai de várias das melhores trilhas sonoras da história dos videogames, a Rare tem um lugar de destaque na indústria do entretenimento digital. Nessa viagem no tempo, vamos conhecer a trajetória da desenvolvedora que transformou Donkey Kong em herói e tornou-se a queridinha da Nintendo e da Microsoft. Abram espaço para o logotipo dourado da Rareware!
1 é pouco, 2 é bom e 60 ainda não é o bastante!
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O ZX Spectrum foi a plataforma preferida da Ashby |
Comercialmente conhecida como Ultimate Play the Game, a companhia britânica Ashby Computers & Graphics desenvolvia games para computadores domésticos. Tim e Cris Stampers eram os sócios da empresa - ambos já haviam produzidos jogos para fliperamas e, na Ashby Computers & Graphics, tinham passado a investir em títulos para computadores. Na lista de games, os que mais chamavam atenção eram Sabre Wulf e Knight Lore - este último é considerado o primeiro game a utilizar visuais tridimensionais, através de um interessante jogo de perspectiva. Insatisfeitos com suas criações, os Stampers decidiram migrar seus esforços para outro espectro do universo 8-bits: os consoles domésticos, e aqui destacamos o NES.
A intenção dos rapazes era produzir jogos para fora do mercado japonês e, dadas as dificuldades iniciais que a Nintendo teve em implantar seu console de mesa em residências americanas e europeias, não demorou para liberar a Ashby Computers & Graphics para desenvolver para NES. É curioso como a Nintendo deu carta branca a uma desenvolvedora para produzir quantos jogos quisesse sem muita fiscalização da Big N numa época em que a Nintendo impunha sérias restrições às demais third-parties. Nesse meio tempo, a desenvolvedora abriu sua divisão sob o nome “Rare”. E então, foi ai que veio o primeiro jogo memorável da Rare?
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Slalom, o primeiro jogo desenvolvido pela Rare |
A resposta é um não. Embora hoje seja conhecida por muitos jogos de peso, o primeiro título a estampar o logotipo da empresa foi Slalom, um jogo de ski que passou despercebido para muitos, mas que já trazia um nome em seus créditos que viria a ser muito importante para a Rare: David Wise. Compositor da trilha sonora do jogo, David Wise teve bastante dificuldade em criar músicas no NES, mas, escondidas por um
gameplay simples e uma temática de jogo que não chamou muita atenção, estavam canções muito bem trabalhadas. Após o lançamento de Slalom tanto para NES quanto para fliperamas, a política interna da Rare mudou.
A filosofia adotada foi a seguinte: quanto mais jogos criar, melhor. E, nessa brincadeira, a desenvolvedora colocou 60 jogos no mercado, dentre os quais estão obras para NES e adaptações de outros títulos para GB. É claro que a maioria é de qualidade duvidosa, destacando-se apenas alguns poucos como Wizards & Warriors e R.C Pro-Am. Embora a equipe da Rare tenha adquirido bastante experiência em gêneros distintos dos games, a estratégia acabou por banalizar demais as produções da empresa. Esse ritmo de desenvolvimento só foi freado com lançamento de um novo console: o sucessor do NES, carinhosamente chamado de Super Nintendo.
De Zé Ninguém a melhor amiga
Embora tenha se concentrado claramente nas plataformas Nintendo, a produção de softwares da Rare não era exclusiva da Big N – não é a toa que chegou a produzir para outros consoles, como Mega Drive e Sega Game Gear. O que destacava a Rare na indústria, até aquele momento, era a série Battletoads, única franquia relevante em suas mãos. Por conta disso, a Rare não só adaptou o primeiro Battletoads para quantas plataformas pôde, como também trouxe várias sequências em apenas um ano. O resultado de tanto investimento em jogos e mais jogos assegurou capital o suficiente para que a Rare comprasse os estúdios da Silicon Graphics, tornando-se um dos maiores expoentes entre as desenvolvedoras do mundo no critério tecnológico.
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Fazer de um gorila desses um herói. Tarefa difícil, não? |
Essas últimas conquistas da Rare impressionaram os chefões da Nintendo, que compraram quase metade da empresa. A mudança na desenvolvedora não veio apenas no nome (que foi de “Rare” a “Rareware”) e na criação da famosa logomarca dourada, mas também na importância que a empresa assumiu na Nintendo: subsidiária – agora sim tinha exclusividade da Nintendo. Mesmo posto hoje ocupado pela Retro Studios e Intelligent Systems, por exemplo. E, como primeira tarefa, a Rare recebeu os direitos para a criação de um jogo de Donkey Kong – que, aliás, foram pedidos pelos próprios sócios, os Stampers.
O macacão foi o vilão e emprestou seu nome para o jogo que salvou a Nintendo do fracasso, logo, dar ao gorila o posto de herói e presenteá-lo com um game que fizesse jus à sua importância para a Big N não poderia ser encarado como missão mais difícil. E adivinha? Os frutos de tamanho investimento em tecnologia e o ganho de experiência foram douradas bananas. Donkey Kong Country abusou de visuais pseudo-3D, de um gameplay divertido e da primeira trilha sonora a fazer a Rare ser conhecida por suas canções. As 9 milhões de cópias vendidas do primeiro Country logo se multiplicaram em 30 milhões com os lançamentos de suas duas sequências,Diddy Kong’s Quest e Dixie Kong’s Double Trouble!, e com os spin-offs Donkey Kong Land lançados para Game Boy.
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Sorriam para a foto da família! |
Nesse meio tempo, a Rare trabalhou num game intitulado durante o desenvolvimento como “Project Dream”. Nunca ouviu falar desse jogo no SNES? Talvez por que ele não foi lançado na plataforma 16-bits, mas sim na geração seguinte sob outro título, que veremos adiante. O alvo seguinte da Rare foram os games de luta. E mesmo competindo com Street Fighter e muitos outros, seu alvo principal era fazer frente à brutalidade de Mortal Kombat. E rapidamente Killer Instinct veio ao mercado, lançado primeiramente para fliperamas e depois SNES com um motor gráfico feito pela própria Rare.
Um dos mais violentos games da Nintendo, Killer Instinct é lembrado por suas finalizações, que eram tão criativas quanto as de Mortal Kombat. Mas a glória dos visuais pseudo-3D não durou para sempre, justamente por que surgiram os gráficos realmente tridimensionais com o lançamento do Nintendo 64. Killer Instinct Gold foi lançado para o novo console da Nintendo, mas não era o único trunfo da Rare. O primeiro novo investimento da empresa no N64 foi Blast Corps, um game de carros bem mais destrutivo e adulto do que o que os fãs da Nintendo estavam acostumados a ver em Mario Kart. Mas Blast Corps era o aperitivo se comparado ao prato principal que a Rare serviria ao N64.
Junta todo mundo pra foto!
As capas dos jogos da Rare têm a tendência de mostrar praticamente todo o elenco de heróis e vilões. Mais parece que a empresa simplesmente queria fazer o jogador experimentar uma demo do game simplesmente olhando para a caixa. Atualmente, esta já não é a tendência da Rare.
De terno e gravata, mas com um pássaro na mochila
A Rare tinha recebido da Nintendo os direitos para a criação de um game baseado no filme 007 Contra Golden Eye (1995) e precisamos lembrar da cilada que é um jogo inspirado em uma obra dos cinemas. O que a Rare fez, no entanto, foi quebrar um dos maiores paradigmas dos videogames: jogos inspirados em filmes são necessariamente ruins. 007 GoldenEye foi lançado para N64 e, embora se diferenciasse muito do filme de origem, foi um dos primeiros shooters em primeira pessoa a ser lançado para um console, mostrando que consoles de mesa podiam reproduzir (e até superar) a experiência de tiro vivida em computadores. A produção de GoldenEye tomou muito espaço nos estúdios da Rare, forçando a empresa a reduzir sua produção de games em prol do desenvolvimento do jogo protagonizado pelo agente secreto mais famoso dos cinemas.
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Olhe para a mão direita de Bond e note como ela parece uma extensão de sua boca |
Aclamadíssimo pela crítica especializada e elevando ainda mais o nome da Rare, GoldenEye teve como principal elemento o multiplayer para até 4 jogadores. Irônico é saber hoje em dia que esse modo de jogo foi improvisado e criado sem a autorização da Rare. Uma entrevista com o diretor do jogo, Martin Hollis, não só trouxe essa revelação, como também mostrou que ele gosta muitos dos “problemas” do jogo, que muitas vezes chegam a ser engraçados e lembrados até hoje pelos fãs, como tiros que, ao acertar na virilha, fazem os inimigos se contraírem de dor. Mas agora era hora de amarrar as pontas soltas, e uma delas era o tal “Project Dream”, que havia sido planejado para SNES e movido para N64. Durante grande espaço de tempo, o que deveria ser um aventura protagonizada por um capitão pirata se transformou numa saga épica vivida por um urso e seu pássaro. Sim, estamos falando de Banjo-Kazooie!
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Melhores amigos |
Lançado um ano depois de Diddy Kong Racing (que aproveitava do sucesso obtido com os macacos na série Country), Banjo-Kazooie pegou tudo o queSuper Mario 64 trouxe de espetacular para os games de plataforma 3D e aprimorou, tendo como resultado um dos mais memoráveis jogos do N64. O fato de Banjo ser obra-prima da Rare (ao contrário de Donkey Kong e James Bond) fez dele o principal mascote da empresa. O sucesso de Banjo-Kazooie rendeu uma sequência, Banjo-Tooie (um trocadilho com a palavra two e o nome “Kazooie”), que superou seu antecessor em diversos aspectos. Embora tenha vindo no fim da vida do N64, Tooie lançou a promessa de um terceiro capítulo (osuposto Banjo-Threeie) e deixou em aberta a incógnita a cerca do recurso “Stop ‘N’ Swop”, que logo tornou-se um dos maiores mitos da história dos games e foi explorado pelo Nintendo Blast na coluna MythBlasters.
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É sério que essa legião de vilões não deu conta de... um urso e um passarinho? |
O sucesso com Banjo-Kazooie fez com que a Nintendo confiasse à Rare seu gorila mais uma vez, mas agora com a missão de fazer um jogo tridimensional para ele.Donkey Kong 64 (N64) pode ter divertido os fãs, mas foi criticado fortemente por ser muito semelhante a Banjo-Kazooie e por outros problemas de gameplay. Por exemplo, nem todos gostaram do fato de cada macaco jogável exigir que se praticamente repita todos os estágios com cada um deles. Era um projeto grande, literalmente grande demais. O pior? Esse não era o único problema que a Rare enfrentaria nos próximos meses.
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Com Donkey Kong 64, Cranky Kong mostrou que não é bom apenas no NES |
Musas sensuais e palavrãos a torto e a direito
A recepção razoável a Donkey Kong 64 refletiu-se também em Jet Force Gemini (N64), jogo de ação e tiro em terceira pessoa da Rare que tem seus méritos, mas está longe do patamar de grandeza de suas obras anteriores. Os problemas enfrentados em Jet Force Gemini, no que dizem respeito à sua jogabilidade, foram suficientes para fazer a Nintendo posteriormente desistir de um Metroid tridimenisional em terceira pessoa, investindo apenas em um FPS (vulgo Metroid Prime, para GC). Mas se o problema era programar um game de tiro em terceira pessoa, então que voltem ao FPS.Perfect Dark (N64) foi a mais nova aposta da Rare, considerado o sucessor espiritual de 007 GoldenEye.
Embora não tenha tido o sucesso comercial da aventura de James Bond, o gameplay muito bem feito, um multiplayer divertido, uma temática interessante e o uso de uma baita musa como protagonista asseguraram uma guinada positiva da imagem da Rare. Mas chegou uma hora em que a empresa já havia extraído tudo o que podia extrair do N64. O último título da empresa lançado para o aparelho 64-bits da Nintendo foiConquer’s Bad Fur Day, que começou como um antigo projeto para 64 DD chamado Twelve Tales: Conker 64. Embora seguisse os modelos de Banjo-Kazooie, Conquer teve destaque por sua temática adulta.
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"Vem comigo, eu sou só um esquilo fofinho" |
Fortemente influenciado pela série animada South Park, o protagonista pode parecer fofinho, mas é um típico anti-herói de uma aventura que não tem medo de utilizar temáticas como sexo, drogas e uma série de coisas... nojentas. Assim como Banjo-Tooie, Conquer’s Bad Fur Day teve suas vendas enfraquecidas pelo fim da vida do N64. O Game Cube era uma realidade eminente, e os fãs especulavam sobre quais novos jogos a Rare lançaria no cubo mágico da Nintendo. Mas a melhor perguntar não é “quais”, mas “quantos” jogos a Rare produziu para o GC.
E a resposta é um infeliz "um"! Mas o que levaria uma desenvolvedora tão memorável e importante para a Nintendo abandonar a empresa do Mario num momento em que as suas vendas de hardware não iam lá muito boas? Isso é assunto para a Parte 2 de nossa coluna. Até a semana que vem!
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